O cenário para a transição energética no Brasil, a segurança jurídica do país e a necessidade de readequação do sistema de redes de transmissão e distribuição foram destaques no workshop sobre o setor elétrico promovido pela Scatec, empresa norueguesa de energias renováveis, e a consultoria ECO EE, organizadora do Fórum Latino-Americano de Smart Grid, na última terça-feira (09/04), em São Paulo.

“Em meio a um cenário internacional em que as guerras tarifárias e o abandono de acordos multilaterais trazem tantas incertezas, o Brasil se destaca entre os mercados emergentes, inclusive por sua segurança jurídica”, afirmou o country manager da Scatec no Brasil, Aleksander Skaare. O Brasil, onde a Scatec tem em operação e construção 835 MW de energia solar, é um dos quatro mercados estratégicos para a companhia, ao lado da África do Sul, Egito e Filipinas. Além da segurança jurídica, a disponibilidade de profissionais qualificados e recursos energéticos competitivos são fatores de atração de investimentos em renováveis para o país.
No ano passado, a Scatec assinou um contrato de compra de energia (PPA) de 10 anos com a Statkraft Energia do Brasil no Brasil, para uma usina solar de 142 MW em Minas Gerais. A construção foi iniciada em janeiro e deve ser concluída até o final do ano. O contrato abrange 70% da geração da usina e o restante será destinado para oportunidades de trading. Além disso, a companhia opera desde 2018 a planta Apodi, de 162 MW, no Ceará, e o parque solar Mendubim, de 531 MW, no Rio Grande do Norte, desde 2024.
Desafios para a expansão e pipeline de 800 MW
Segundo Skaare, a empresa tem em torno de mais 800 MW de capacidade em desenvolvimento, entre potenciais eólicos e solares, e avalia projetos nos estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Com projetos híbridos e stand alone em outros países, a Scatec também acompanha com interesse as regras para os projetos de armazenamento em baterias no Brasil. Antes de tomar qualquer decisão de investimento ou avançar no desenvolvimento de projetos, entretanto, aguarda conhecer os critérios de remuneração e os custos operacionais dos sistemas de armazenamento no país.

Para a expansão, há desafios importantes, como a necessidade de desenvolvimento de nova demanda, a adaptação às mudanças na oferta de financiamento e a crescente indisponibilidade de rede, avalia o gerente de projetos da companhia, Bruno Cazarotte. Enquanto financiamento e cortes de geração podem ser mais facilmente gerenciados e precificados, o desenvolvimento de demanda permanece como um desafio mais significativo para a expansão.
Além da eletrificação de processos que pode aumentar a demanda de consumidores já existentes, a atração de novos segmentos produtivos para o país é vista como um caminho para o crescimento da procura por energia renovável. Cazarotte cita os data centers como exemplo, “vemos grandes processos de contratação de energia em andamento e uma demanda mais palpável”. Ele também cita a criação de estratégias de trading, com comercializadoras, com uma parte menor da energia disponível dos projetos, que não esteja contratada com grandes consumidores no longo prazo.
A oferta de serviços customizados para os consumidores além da geração de energia renovável é incontornável, disse Cazarotte. “Temos uma trading com serviços além do MWh, como proteção contra variação de preços e IRECs. Não tem como isso não estar na mesa de negociação hoje.”
Necessidade de modernização da rede
A tendência de maior protagonismo do consumidor e descentralização do sistema elétrico implica em grandes desafios para os operadores das redes de transmissão e de distribuição. Segundo o Fórum Latino-Americano de Smart Grid, serão necessários R$ 350 bilhões de investimentos até 2028 para adequar as redes à transição energética.

“A rede não qualificada é uma barreira para a transição energética”, disse no evento o sócio fundador da ECOee e presidente do Fórum, Cyro Vicente Boccuzzi. Ele cita como exemplo as iniciativas de investimentos em sistemas de gerenciamento de resposta à demanda em redes inteligentes (DRMS, na sigla em inglês). “Eles serão necessários para garantirmos a flexibilidade do sistema para otimizar a integração e a intermitência das energias renováveis, bem como para suportar os estresses advindos de eventos climáticos extremos, proporcionando maior segurança, estabilidade e um melhor uso das redes”, alertou o consultor.
Boccuzzi também levantou a importância que o consumidor possui na transformação do setor elétrico. “Ele sempre foi visto como apenas aquele que paga a conta. Mas é preciso trazê-lo para a mesa de discussão e incentivar também a transição energética na parte interna de suas instalações. Ele será fundamental para mapearmos as oportunidades que existem de readequação da indústria para sua maior competitividade, assim como para chegarmos a caminhos que apontem para a diminuição de impostos, subsídios, cargas e encargos, privilégios e assimetrias”, afirma.
Nesse contexto, o papel das distribuidoras de energia deve mudar, com o mercado cativo diminuindo, seja pelo fluxo de migrações para o mercado livre, seja pela maior adoção da geração distribuída. E o processo de renovação das concessões de distribuição é vago em relação a essa transformação, avalia Bocuzzi. As diretrizes para a renovação das concessões mencionam objetivos de aumentar a resiliência e dar maior robustez à rede, aumentar a satisfação do cliente e atingir a universalização do atendimento.
“A renovação dá a perspectiva de um horizonte maior de 30 anos para a recuperação dos investimentos em melhoria e modernização da rede, mas não dá clareza sobre os critérios de avaliação”, diz o consultor. Ele também menciona a necessidade de solução para os contratos que as distribuidoras fecharam em leilões do governo federal, que podem não ser mais necessários diante de uma base de consumidores menor. “A lei de abertura total do mercado também não resolve a questão dos contratos legados.”
Pulverização da discussão regulatória
A dificuldade de construir consensos regulatórios duradouros em um ambiente de discussão extremamente pulverizado é um dos principais desafios do ponto de vista de governança do sistema elétrico atualmente, avalia a Head de Relações Institucionais e Governamentais no Di Blasi, Parente & Associados, Maria Eduarda Negri, presente no evento. “Essa pulverização das discussões resulta em um maior risco regulatório e judicialização”, disse a executiva.
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