Desafios e oportunidades na infraestrutura de transmissão para energia solar no Brasil

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A energia solar no Brasil tem experimentado um crescimento exponencial nos últimos anos, consolidando-se como uma das principais fontes da matriz elétrica nacional. Em janeiro de 2025, a capacidade instalada de energia solar atingiu 53 gigawatts (GW), dos quais 34,8 GW são oriundos de projetos de geração distribuída e 17,4 GW de geração centralizada, segundo dados da Absolar. Esse avanço representa 21,4% de toda a capacidade instalada no país, posicionando a energia solar como a segunda maior fonte da matriz elétrica brasileira.

No entanto, a rápida expansão do setor tem colocado pressão sobre a infraestrutura de transmissão, que enfrenta desafios como curtailment, perdas técnicas e burocracias regulatórias. Esse cenário exige uma análise detalhada dos obstáculos e das soluções possíveis para garantir a integração eficiente da energia solar na matriz nacional.

Figura: ​Participação das adições de capacidade de energia renovável por tecnologia em 2023 em nível regional elaborado pela IRENA.

Curtailment: um fenômeno em ascensão no Brasil

O curtailment—a redução forçada da geração de energia por restrições na rede—tem se tornado uma preocupação global e local.

Episódios como o apagão de agosto de 2023 levaram o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a adotar medidas cautelares que limitaram a geração de fontes renováveis, incluindo solar e eólica. Esse fenômeno afeta a rentabilidade dos projetos e também desencoraja investimentos em regiões com alto potencial solar, como o Nordeste, uma vez que a imprevisibilidade na geração afeta o retorno financeiro esperado.

O crescimento acelerado das energias renováveis no Brasil, especialmente no Nordeste, tem gerado desafios relacionados ao escoamento da energia produzida. Um dos principais problemas é a limitação da infraestrutura de transmissão, já que a construção de usinas renováveis ocorre em um período de 1 a 2 anos, enquanto as linhas de transmissão levam de 4 a 5 anos ou mais, devido a processos como o licenciamento ambiental. Esse descompasso faz com que parte da energia gerada fique “presa” nas regiões produtoras.

Além disso, o excesso de oferta em relação à demanda contribui para o problema. Em dias de alta geração, como períodos de forte incidência solar ou ventos intensos, a produção pode superar o consumo, especialmente no Nordeste. Nessas situações, o Operador Nacional do Sistema (ONS) precisa ordenar cortes na geração para evitar sobrecargas.

Outro fator relevante são os requisitos de confiabilidade elétrica. Para garantir a estabilidade do sistema, o ONS pode reduzir a participação das fontes renováveis, priorizando usinas mais controláveis, como hidrelétricas e termelétricas. Essa decisão ocorre porque fontes como solar e eólica têm variação natural e não oferecem a mesma previsibilidade das demais.

A falta de armazenamento eficiente também agrava a situação. A ausência de sistemas de baterias ou outras tecnologias de armazenamento em larga escala impede o aproveitamento do excedente energético, resultando em desperdício de parte da eletricidade gerada.

Causas de curtailment no mundo

O curtailment é um desafio global para países que investem fortemente em energias renováveis, mas enfrentam dificuldades para integrar essa geração ao sistema elétrico. Um dos principais problemas é a capacidade limitada de transmissão, já que redes antigas ou insuficientes não conseguem escoar toda a energia gerada em regiões remotas com alta produção renovável.

Outro fator crítico são as flutuações naturais das fontes renováveis. Como sol e vento são intermitentes, os picos de geração nem sempre coincidem com os momentos de maior demanda, resultando em excedentes energéticos que não podem ser aproveitados.

Além disso, considerações econômicas podem tornar o corte da geração renovável uma opção mais viável do que desligar usinas térmicas ou nucleares, que possuem menor flexibilidade operacional e custos elevados para redução ou retomada da produção.

O planejamento inadequado também agrava o problema. Quando a expansão das renováveis ocorre sem a modernização correspondente da infraestrutura elétrica ou sem o crescimento da demanda, o sistema enfrenta dificuldades para absorver toda a energia gerada, resultando em desperdício frequente.

O curtailment é um problema recorrente em diversos países que expandiram rapidamente suas fontes renováveis, mas enfrentam dificuldades na integração dessa energia ao sistema elétrico.

No Brasil, especialmente no Nordeste, os principais fatores são os atrasos na construção de linhas de transmissão, a alta geração renovável em períodos de baixa demanda e a operação mais conservadora do ONS após eventos como o apagão de 2023, resultando em prejuízos que já ultrapassam R$ 1 bilhão em 2024.

Nos Estados Unidos, a Califórnia enfrenta impactos devido a mudanças nas regras de medição líquida, que reduziram incentivos para novas instalações solares residenciais, enquanto no Texas, eventos climáticos extremos, como a nevasca de 2021, afetaram a geração eólica devido ao congelamento das turbinas e à falta de infraestrutura preparada para condições severas.

Já a China, apesar de liderar globalmente a geração renovável, sofre com cortes por limitações na transmissão de energia das regiões produtoras para os grandes centros urbanos no leste e sudeste do país, além de priorizar o carvão em algumas províncias por razões econômicas.

Na Alemanha, a produção eólica no Mar do Norte frequentemente excede a capacidade das linhas de transmissão que levam energia ao sul industrializado, resultando no descarte de cerca de 6% da geração eólica em 2022.

E na Austrália, a elevada penetração de renováveis em uma rede elétrica relativamente isolada, somada à baixa demanda local, leva a cortes frequentes, especialmente em dias de alta geração solar.

Oportunidades para a modernização da infraestrutura

Para mitigar esses desafios, é imperativo investir na expansão e modernização da infraestrutura de transmissão. O governo federal tem realizado leilões para a construção de novas linhas de transmissão, visando aliviar os gargalos existentes. Contudo, a conclusão desses projetos demanda tempo, e soluções de curto prazo são necessárias para evitar prejuízos adicionais.

Apesar dos desafios, o Brasil possui oportunidades únicas para modernizar sua infraestrutura de transmissão. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), prevê investimentos de R$ 128,6 bilhões em linhas de transmissão e R$ 116,6 bilhões em geração distribuída.

Fonte: Plano Decenal de Energia 2034 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética.

O PDE prevê expandir 30 mil quilômetros de linhas de transmissão até 2034 e estima R$ 39 bilhões em investimentos para substituir ativos de transmissão que estão em fim de vida útil. Esse plano visa integrar regiões com alto potencial solar, como o Nordeste e o Centro-Oeste, ao mercado nacional.

Fonte: Plano Decenal de Energia 2034 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética.

Os avanços tecnológicos estão transformando o setor elétrico e ajudando a mitigar o curtailment. Os sistemas de armazenamento, como baterias de íon-lítio e soluções híbridas que combinam geração solar com armazenamento, permitem que o excedente de energia seja armazenado e utilizado nos horários de pico, equilibrando a oferta e a demanda e garantindo maior estabilidade ao sistema.

Além disso, as redes inteligentes (smart grids) utilizam tecnologias de monitoramento em tempo real para otimizar a distribuição de energia e reduzir perdas técnicas, tornando a operação mais eficiente.

Outro avanço importante é a geração distribuída, por meio de projetos como comunidades solares e microrredes, que possibilitam a produção e o consumo local de energia, diminuindo a dependência das redes centrais e aliviando os gargalos na transmissão. Essas soluções combinadas representam um caminho promissor para a integração cada vez maior das energias renováveis no sistema elétrico global.

Desafios regulatórios e financeiros

A regulação do setor elétrico ainda enfrenta desafios que dificultam a plena integração das energias renováveis. A Lei nº 14.300/2022, apesar de ter trazido mais segurança jurídica para a geração distribuída, ainda necessita de atualizações para facilitar a integração de novas fontes renováveis ao sistema. Além disso, o financiamento continua sendo um gargalo, especialmente para pequenos produtores. Embora programas como o Fundo Clima do BNDES ofereçam suporte a projetos solares, a burocracia e os altos custos iniciais ainda representam barreiras significativas para a ampliação do setor.

Oportunidades em armazenamento e redes inteligentes

No Brasil, o curtailment reflete o sucesso da expansão renovável, mas também a necessidade urgente de modernizar a transmissão e incentivar a demanda (como hidrogênio verde ou eletromobilidade). No mundo, países enfrentam desafios similares, agravados pela transição energética rápida.

A integração eficiente da energia solar na matriz elétrica brasileira depende de uma abordagem multifacetada, que inclui investimentos robustos em infraestrutura de transmissão, desenvolvimento de tecnologias de armazenamento e aprimoramento das políticas regulatórias. Somente através dessa combinação de esforços será possível transformar os desafios atuais em oportunidades concretas, assegurando um futuro energético sustentável e resiliente para o Brasil.

Com avanços em armazenamento, redes inteligentes e geração distribuída, o Brasil pode resolver o problema do curtailment e também posicionar-se como líder global na integração de energia solar. Para os leitores da pv magazine, a modernização do sistema elétrico brasileiro representa uma oportunidade crucial para atrair novos investimentos e consolidar o país como líder global na integração de energias renováveis.

Sobre o autor:  

Fernando de Lima Caneppele é professor associado na Universidade de São Paulo (USP) e atua com foco em Energia, Transição Energética e Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 (ODS7). 

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