Um tema pelo qual sou particularmente interessada é o das tarifas de energia. No Brasil, temos uma estrutura tarifária que regula o faturamento dos consumidores de baixa tensão, baseada em um decreto de 1968. Desde então, o setor elétrico passou por mudanças significativas, como a evolução na forma de utilização da rede, o comportamento dos consumidores, a possibilidade de abertura de mercado, a inserção da microgeração distribuída, a digitalização, novas tecnologias e a implementação de medidores inteligentes.
Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de atualizar as tarifas para refletir a nova dinâmica de uso da rede. Atualmente, temos uma estrutura tarifária única no país para os consumidores do grupo B: a tarifação monômia, que cobra uma tarifa volumétrica baseada exclusivamente no kWh consumido.
Em resposta a essa necessidade de adaptação regulatória, em 2022, foi aberta a primeira chamada pública para que as distribuidoras de energia apresentassem projetos-pilotos focados em novos modelos de estrutura tarifária e faturamento para a baixa tensão. A opção foi iniciar essas modificações por meio de sandboxes tarifários.
Em resumo, o sandbox regulatório é uma ferramenta que permite a realização de testes em um ambiente controlado, afastado da regulação ordinária, possibilitando inovações que podem aprimorar a regulação vigente. Esses sandboxes tarifários surgem como uma oportunidade para que as distribuidoras de energia proponham projetos de inovação, alinhados às novas formas de uso da rede que estamos observando atualmente.
Um ponto relevante é que, devido às dimensões continentais do Brasil e às diferenças no comportamento dos consumidores entre as regiões, cada distribuidora enfrenta desafios específicos, com experiências distintas, o que reflete nos modelos propostos para os projetos-pilotos. Até o momento, foram realizadas duas chamadas públicas. Na primeira, quatro projetos foram autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Na segunda chamada, mais três projetos foram aprovados, e por último, em 2024 mais dois projetos, totalizando nove sandboxes tarifários em áreas de concessão variadas.
As condições mínimas para os sandboxes tarifários são regidas pela REN 966/21, que abrange temas como modalidades tarifárias, novas formas de faturamento, gerenciamento do lado da demanda, tratamento e incorporação de novos tipos de usuários e técnicas de economia comportamental. Vale destacar que esse ato normativo oferece segurança aos agentes envolvidos, além de otimizar o tempo na elaboração dos projetos.
Dentre os projetos, destaco quatro exemplos:
- COPEL – Tarifa Multipartes e Fatura Digital para o Grupo B: Nesse modelo, haverá uma parcela fixa correspondente aos custos comerciais (parcela B), uma parcela de demanda (R$/kW) e uma de consumo (R$/kWh), com três faixas tarifárias: ponta, fora ponta e madrugada. Além disso, a fatura será exclusivamente digital, com pagamento via PIX. No total participarão 3,6 mil unidades consumidoras.
- COPEL – Tarifa para Abastecimento de Carros Elétricos: Participarão 499 residências com veículos elétricos. O projeto propõe uma tarifa diferenciada para o abastecimento de carros e ônibus elétricos durante o período da madrugada.
- LIGHT – Modalidade de Faturamento Fixo com Incentivos Não Tarifários: O consumidor poderá optar por uma fatura fixa, associada a um programa de cashback, para incentivar mudanças de comportamento. Não há definição de número de unidades participantes.
- Permissionárias (CERBRANORTE, CERTAJA, CERTEL e COPREL) – Abertura do Mercado Livre para Baixa Tensão: O projeto visa a abertura do mercado livre para unidades de baixa tensão.
O projeto tem um prazo de cinco anos, iniciado em 2022, com término previsto para 2027. O último ano será dedicado exclusivamente à conclusão das ações ainda em curso. Vale ressaltar que esse período não corresponde à duração de cada sandbox tarifário, pois cada um possui seu cronograma específico. Por exemplo, o projeto mencionado no item um terá duração de 26 meses.
Acredito que este projeto de Pesquisa & Desenvolvimento oferece uma visão clara de para onde o setor elétrico brasileiro deve seguir nos próximos anos. Os resultados obtidos poderão subsidiar as decisões da ANEEL e indicar os próximos passos da regulação tarifária.
Este é um grande avanço, e sabemos que o setor se tornará cada vez mais complexo, a depender da variedade que esse “cardápio” tarifário poderá se tornar. Permanecer nele exigirá conhecimento profundo sobre as diversas variáveis que influenciam o comportamento dos consumidores. O que você acha desses projetos? Deixe seu comentário!
Sobre a autora: Vanessa Martins, atua no setor de solar desde 2017 com homologações de projetos de MMGD. As mais de 1.800 homologações e seu imenso interesse pelas regras do setor, tornaram-na uma das grandes especialistas em regulação GD no país. Possui formação em Engenharia de Energia pela UFGD, Mestrado em Eficiência Energética pela UFMS, especialização em Administração – FGV e está cursando MBA Setor elétrico pela FISUL. Atualmente, atua como consultora independente especializada em resolução de conflitos com distribuidoras de energia, além de ser palestrante e mentora em temas relacionados à regulação.
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