Ganho de geração bifacial: simulação e realidade

Share

Os módulos solares bifaciais têm revolucionado o setor fotovoltaico ao capturar a luz refletida na sua parte traseira, aumentando significativamente a geração de energia. Entretanto, essa nova característica aumentou consideravelmente a complexidade das simulações de previsão de geração de energia dos empreendimentos fotovoltaicos, trazendo novas incertezas a esses valores. A previsão precisa da geração de energia é essencial para investidores, operadores e projetistas de usinas fotovoltaicas. Erros na modelagem da irradiância traseira podem impactar diretamente a estimativa de receita, a viabilidade econômica dos projetos e o atingimento de metas contratuais.

Num momento no qual os PPAs (Power Purchance Agreement) estão cada vez mais concorridos, a quantificação precisa da geração dos empreendimentos e suas incertezas são fundamentais para a definição dos preços de energia mínimo viável para estas usinas, garantindo maior confiabilidade e eventuais otimizações.

Além das ocasiões de definição de PPA e do LCOE (Levelized Cost of Energy), uma simulação energética precisa também é muito importante durante o período de operação das usinas, principalmente para identificação de falhas e subdesempenho. Muitas vezes essas simulações são utilizadas em contrato como referências para contratos entre engenharias, construtoras, empresas de O&M finais, dos quais multas de valores milionários podem surgir para cada ponto percentual de divergência entre energia simulada e efetivamente gerada.

Portanto, esse novo fator de complexidade e incerteza nos sistemas fotovoltaicos necessita de um melhor entendimento pelos agentes envolvidos. Para avaliar a precisão dos modelos disponíveis e o impacto da sua precisão na geração de energia, seis sistemas fotovoltaicos foram instalados em Florianópolis no laboratório Fotovoltaica/UFSC, sobre diferentes tipos de solo com diferentes albedos (Figura 1).

Estes sistemas, instalados com seguidores solares de um eixo, solução padrão para usinas de larga escala, foram monitoradas ao longo de um ano. Nos sistemas fotovoltaicos também foram instalados sensores de irradiância solar na parte da frontal dos módulos e na parte traseira; assim, foi possível monitorar todos os níveis de irradiância recebidos pelos módulos.

Figura 1 – Sistemas fotovoltaicos instalados no laboratório Fotovoltaica/UFSC em Florianópolis-SC. Um tour virtual do laboratório com detalhes deste e de outros projetos está disponível em www.fotovoltaica.ufsc.br

Imagem: Fotovoltaica/UFSC

Entre os materiais utilizados nos solos, foram escolhidos materiais típicos da construção civil, como a bica corrida, com albedo de 0,26 (TR4 na Figura 1); areia, com albedo de 0,41 (TR3); caulim, com albedo de 0,43 (TR2); e brita branca (TR1), com albedo de 0,52. Esses materiais foram escolhidos pela sua abundância, usabilidade e disponibilidade na construção civil.

Softwares comerciais amplamente utilizados para simulação de energia de usinas fotovoltaicas, como o PVSyst®, utilizam, para o cálculo da irradiância traseira, um método chamado de View Factor (VF) que, por sua vez, é uma abordagem geométrica 2D, baseada na teoria da troca de radiação entre superfícies e admite que a distribuição da irradiância refletida é isotrópica.

O conceito central é que a fração da radiação refletida por uma superfície que atinge outra depende exclusivamente da geometria relativa entre elas. Além do View Factor, um outro método que tem ganhado espaço nessa área é o Ray Tracing (RT), que utiliza simulação baseada em raios para modelar a trajetória da radiação refletida, levando em conta as interações detalhadas da luz com o solo e outros objetos.

Durante o estudo, foram comparados os valores de irradiância traseira medidos em cada um dos sistemas instalados, com os valores simulados por cada um desses dois métodos. Os resultados mostraram que tanto o VF quanto o RT superestimam a irradiância traseira nos sistemas. Essa superestimativa teve um perfil diferente para cada solo, conforme resume a Tabela 1.

Irradiância traseira real e simulada pelos métodos VF e RT
Solo Albedo Erro VF Erro RT
Brita Branca 0,52 18,3% 5,5%
Caulim 0,43 18,2% 8,9%
Areia 0,41 23,6% 4,9%
Bica Corrida 0,26 26,3% 22,2%

 

Embora os erros obtidos sejam de grande magnitude, estes erros na estimativa de irradiância traseira não impactam diretamente na geração de energia total com a mesma proporção, mas ainda assim são significativos e podem ser reduzidos. Para avaliar este impacto, tanto os dados medidos quanto os dados simulados foram usados para simulação no PVSyst® de geração dos sistemas. Os resultados (Tabela 2) mostram que o erro da estimativa da irradiância traseira pode levar a um erro de geração de até 5%, dependendo do albedo do projeto.

Geração de energia real e simulada pelos métodos VF e RT
Solo Albedo Erro VF Erro RT
Brita Branca 0,52 3,2% 1,3%
Caulim 0,43 4,8% 3,3%
Areia 0,41 4,3% 2,6%
Bica Corrida 0,26 3,7% 3,0%

 

Erros na previsão da geração da magnitude dos valores obtidos podem ser críticos nos cenários competitivos de custo de energia ou avaliação de desempenho de usinas operantes. Embora o tema de incertezas das simulações seja um item já na pauta dos agentes envolvidos nestes empreendimentos, a bifacialidade traz um novo complicador que deve ser mais bem estudado, entendido e endereçado pelos especialistas do setor.

Autores: Rafael Campos, Marilia Braga & Ricardo Rüther

Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina

Fotovoltaica/UFSC www.fotovoltaica.ufsc.br

Os pontos de vista e opiniões expressos neste artigo são dos próprios autores, e não refletem necessariamente os defendidos pela pv magazine.

Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.

Conteúdo popular

Baterias de íon de sódio vs. baterias de lítio-ferro-fosfato
18 fevereiro 2025 Pesquisadores na Alemanha compararam o comportamento elétrico das baterias de íons de sódio com o das baterias de lítio-ferro-fosfato sob temperaturas...