Tendências globais apresentadas no Primeiro Festival Internacional de Energia Solar, na Índia

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Em agosto deste ano, participei do Primeiro Festival Internacional de Energia Solar, a convite da Aliança Solar Internacional (ISA), em Nova Delhi, Índia. A partir das duas semanas de imersão nas tendências globais do setor, com governos, empresas, ONGs, universidades e instituições multilaterais, separei alguns pontos que todos os interessados no futuro da energia solar devem ficar de olho.

A dimensão do Festival mostra a importância do mercado de energia solar na Índia e no mundo. O local escolhido foi o Bharat Mandapam, uma grande arena construída para sediar o G20 em 2023. Ao final do primeiro dia, tivemos o show do maior ícone cultural indiano, AR Rahman, vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora com ‘Quem quer ser um Milionário’. O evento contou com a participação do alto escalão do governo indiano – com fala do primeiro-ministro indiano, do ministro de novas e renováveis -, além de outras grandes lideranças globais do setor, de todos os continentes.

O evento adotou um tom de celebração do progresso, mas também de realismo acerca dos principais desafios e oportunidades para o setor seguir crescendo. 

A celebração foi marcada pela apresentação dos números expressivos de crescimento da fonte no mundo, e pela importância dada pelas autoridades indianas ao alinhamento da energia solar com as raízes culturais indianas e pode ser uma ferramenta poderosa para empoderar comunidades e combater a pobreza energética.

Uma das grandes tendências discutidas no festival foi o crescimento explosivo da energia solar distribuída, especialmente no formato de “rooftop solar” — energia gerada em telhados. O recente relatório lançado pela ISA, “Global Perspectives on Rooftop Solar Energy“, destacou que a energia solar distribuída foi responsável por cerca de 50% da capacidade renovável instalada globalmente em 2022. As projeções indicam que mais de 1.000 GW de energia solar serão adicionados nos próximos cinco anos. Essas cifras refletem o papel central que a energia solar tem assumido, mas também trazem desafios, como financiar esse crescimento de forma inclusiva e sustentável.

O financiamento foi um dos temas dominantes no festival. Embora os custos da energia solar tenham caído drasticamente nos últimos anos, os investimentos necessários para sua popularização continuam sendo um obstáculo. Foi consenso que o financiamento privado precisa aumentar significativamente para atender às demandas da transição energética. Atualmente, há uma falta de coordenação entre os setores público e privado, o que torna o processo mais lento do que poderia ser.

Além disso, as disparidades regionais na alocação de investimentos foram amplamente discutidas. Embora a energia solar tenha recebido grandes quantidades de investimento nos países da OCDE e na China, regiões como a África, que têm imenso potencial solar, continuam subfinanciadas. A África, por exemplo, recebe apenas 3% dos investimentos globais em energia solar, mesmo sendo o continente com maior incidência de sol. Esse dado me fez pensar em como essa realidade também se aplica a outras regiões em desenvolvimento, incluindo o Brasil, onde o potencial solar está longe de ser completamente explorado.

Uma solução apresentada durante o evento foi o lançamento do Global Solar Facility, um fundo de US$ 100 milhões criado pela ISA para catalisar até US$ 1,5 bilhão em financiamento para expandir a energia solar descentralizada em países de baixa renda, especialmente na África. Esse modelo de financiamento poderia ser extremamente útil para o Brasil, especialmente em regiões vulneráveis que enfrentam desafios de acesso à energia. Para países como o nosso, garantir que o financiamento chegue às comunidades que mais precisam é essencial para promover a inclusão social através da transição energética.

Outro ponto destacado foi a importância da inovação tecnológica. Apesar do crescimento impressionante da energia solar, ainda não temos todas as tecnologias necessárias para atingir as metas climáticas de 2050. Áreas como armazenamento de energia e agri-PV — que combina agricultura e energia solar — foram mencionadas como soluções promissoras, especialmente em países com disputas por terras entre agricultura e energia. Investir em pesquisa e desenvolvimento para impulsionar essas inovações será crucial nos próximos anos.

O festival também destacou a importância de integrar as juventudes e as comunidades marginalizadas na transição energética. Em vários painéis, foi discutido como jovens, mulheres e comunidades periféricas têm um papel central na revolução solar. Isso ressoou profundamente com o trabalho que estamos fazendo na Revolusolar, onde jovens nas favelas do Rio de Janeiro estão na linha de frente de projetos-piloto de energia solar. No entanto, para escalar essas iniciativas, precisamos de mais programas de capacitação e treinamento para preparar essas comunidades para participar ativamente do setor solar.

Uma das discussões mais importantes, a meu ver, foi a necessidade de um novo olhar sobre a colaboração internacional. Embora os grandes países estejam avançando em suas transições energéticas, muitos países menores e em desenvolvimento ainda não estão plenamente inseridos nesse movimento global. A mensagem foi clara: precisamos de um esforço conjunto, onde a colaboração internacional vai além do extrativismo e garante que o desenvolvimento de soluções solares seja benéfico para todos.

A Índia, com sua abordagem culturalmente enraizada no aproveitamento da energia solar, me fez perceber o quanto o Brasil tem a aprender com essa visão de longo prazo e de integração social. O Brasil tem um dos maiores potenciais solares do mundo, mas carece de um plano coordenado e, especialmente, da presença mais ativa do governo para impulsionar o setor. O que presenciei na Índia foi uma mobilização coletiva em prol de um futuro solar, e acredito que o Brasil pode e deve seguir nessa direção.

O festival foi um lembrete poderoso de que a energia solar é muito mais do que uma tecnologia limpa. Ela representa uma oportunidade real de transformar vidas, impulsionar economias e criar uma justiça social duradoura. O Brasil tem tudo para se destacar nessa revolução solar global, mas isso exigirá ação decisiva e coordenação entre todos os setores. Enquanto isso, a revolução solar não pode esperar. 

O Brasil é visto como um dos países com maior potencial para liderar a indústria solar no mundo. Apesar da disponibilidade de recursos e do relativo sucesso do mercado brasileiro nos últimos anos (em 2023 ficamos em terceiro lugar em adição de capacidade instalada), ainda falta coordenação e presença do governo brasileiro no assunto. Infelizmente, nenhum representante do governo esteve presente no evento.

Autor: Eduardo Avila, diretor da Revolusolar.

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