Com o crescimento exponencial da Geração Distribuída (GD), surgiram desafios relacionados à capacidade das redes de distribuição em gerenciar a energia excedente. Em algumas regiões, concessionárias passaram a limitar ou até impedir a injeção de energia na rede elétrica, gerando a necessidade de soluções alternativas que garantam o uso eficiente da energia solar sem sobrecarregar a infraestrutura elétrica local. Nesse contexto, o modelo grid zero se apresenta como uma possibilidade de resposta estratégica, atendendo às demandas de consumo imediato e evitando o desperdício de energia.
A principal funcionalidade do sistema grid zero é atender demandas específicas de consumo sem a necessidade de injetar energia na rede elétrica. Esse modelo é ideal para cenários onde o autoconsumo pode ser maximizado, como no agronegócio, em indústrias ou em aplicações específicas como abastecimento de centrais de ar-condicionado.
De acordo com o CEO da SolarVolt, Gabriel Guimarães, o modelo grid zero foi impulsionado no Brasil pela GD. “O primeiro ponto que alavancou muito o grid zero foi a GD, quando as distribuidoras começaram a segurar o parecer de acesso. Quando a Cemig limitou a conexão à rede em Minas Gerais, o mercado começou a olhar para o essa tecnologia”, explica. No entanto, Guimarães alerta que a simultaneidade entre geração e consumo é crucial para o sucesso dessa solução.
Essa necessidade de sincronização restringe sua aplicação em determinados cenários, como em residências que permanecem vazias durante o dia. “Um dos desafios aqui no estado, é que a Cemig não está permitindo homologar o grid zero na mesma instalação de um sistema on-grid, mesmo sem nenhuma restrição técnica para isso”, complementa o executivo.
Casos de uso e aplicações do grid zero
Além dos benefícios para a GD, a flexibilidade dos geradores grid zero também se aplica ao mercado livre de energia, explica Guimarães. “Nesse modelo, o consumidor pode ajustar seu contrato com base na média histórica de consumo, garantindo economia e eficiência. O grid zero permite atender à demanda mínima contratada sem exceder limites que poderiam gerar penalidades ou custos adicionais.”
Outro exemplo relevante está no setor industrial, que frequentemente enfrenta desafios devido ao elevado consumo energético. Guimarães menciona um projeto em São Paulo que instalou um sistema grid zero com capacidade de 4 MW. “Mesmo utilizando todo o espaço disponível no telhado, só conseguimos atender a 15% do consumo desse cliente. Para evitar problemas com a injeção acidental durante períodos de menor atividade, como férias coletivas, optamos por configurar o sistema para não retroalimentar a rede”, explica ele.
Já o engenheiro e gerente de treinamentos na NeoSolar, Paulo Marcelo Frugis, enfatiza que a solução também é adaptável para consumidores residenciais. Contudo, alerta que a viabilidade depende de um uso constante da energia gerada. “Se a residência ficar vazia durante o dia, o sistema não será eficiente. Nesse caso, a instalação de uma bateria inteligente pode ser uma boa alternativa, garantindo o uso da energia e permitindo um backup em caso de quedas de fornecimento”, sugere.
No agronegócio, os sistemas grid zero também têm se mostrado valiosos para operações que demandam energia de forma contínua e imediata, como irrigação ou maquinário em tempo real. Frugis ainda destaca o potencial de inversores híbridos, que oferecem funcionalidades avançadas como smart load, direcionando o excedente de geração para usos como aquecimento de água, sem necessidade de injeção na rede.
Desafios e alternativas para manter a economia sem desperdício
Embora seja uma solução promissora, a ausência de um padrão regulatório claro por parte das distribuidoras dificulta a homologação dos sistemas grid zero. “Não existe um padrão de exigências, e isso torna ainda mais difícil para o integrador alcançar escala”, observa Guimarães.
Outro desafio importante apontado é o cálculo preciso da demanda energética para evitar desperdícios, especialmente em períodos de baixa utilização. Frugis alerta que “é preciso tomar um cuidado com o cálculo, porque o cliente precisa consumir aquilo que está gerando. Se for o caso de uma residência que não tem ninguém durante o dia, não adianta instalar um sistema grid zero, pois não terá simultaneidade”.
Segundo o engenheiro, a solução pode ser complementada com tecnologias híbridas, como inversores on-grid ajustados para operar em modo grid zero ou inversores carregadores off-grid, também chamados de “híbridos off-grid”, que permitem o uso da bateria até o nível de ciclagem decidido. “Para superar essa limitação, sugiro um planejamento criterioso e o uso de baterias inteligentes, que permitem armazenar o excedente e utilizá-lo posteriormente, otimizando a operação e maximizando os benefícios do sistema. Se a concessionária exigir que o sistema não tenha nenhuma injeção na rede, recomendo os inversores off-grid, que simplificam o processo de homologação e reduzem custos”, explica Frugis.
O dimensionamento do sistema requer atenção para evitar desperdício de energia. Um planejamento adequado é essencial para alinhar a geração com o consumo real, evitando problemas como a energia gerada que não será armazenada ou utilizada. Para sistemas híbridos ou off-grid, também é importante evitar compromissos de rendimento fixo.
Como destaca Frugis, “no híbrido grid zero ou no off-grid, jamais assine nenhum documento de performance, porque você vai depender do ciclo de uso do cliente. A falta de consumo em períodos de férias ou horários ociosos pode levar a desperdícios significativos, inviabilizando promessas de desempenho baseadas em cálculos rígidos”.
O momento é de adaptações
Segundo o CEO da Descarbonize Soluções, Nuno Verças, a palavra de ordem do momento para o setor de energia solar é adaptação. “A evolução regulatória e técnica do mercado exige resiliência. Sempre vão existir mudanças de lei e discussões, mas minha filosofia é buscar a adaptação. A energia solar continuará fazendo parte do nosso DNA, mas é preciso abraçar novas oportunidades”, destaca.
Verças enxerga no grid zero uma das soluções estratégicas para o futuro, especialmente com o avanço de tecnologias complementares como baterias e carregadores veiculares. “Sobre a questão da inversão de fluxo, vai depender de caso a caso. Com certeza isso tem que ser discutido, mas por outro lado, existem opções de off-grid e opções de baterias que queremos explorar. Estou mais no jogo de me adaptar ao problema do que lamentar. No meu condomínio já existem 50 carros elétricos, existe opção”, afirma o executivo.
“Aqui na Descarbonize, estamos montando um fundo de financiamento para carros elétricos. Além disso, vamos vender equipamentos elétricos e carregadores veiculares. Tem muita coisa para ser feita, é preciso abraçar as novas oportunidades e seguir em frente”, conclui Verças.
Desse modo, os sistemas grid zero representam uma opção econômica para consumidores que buscam aproveitar ao máximo a energia gerada simultaneamente. Embora enfrente desafios regulatórios, as aplicações existentes já demonstram seu potencial em setores como agronegócio, indústrias e mercado livre de energia.
Com a evolução tecnológica e a maturação do mercado solar em busca de novas frentes, é provável que o grid zero ganhe ainda mais espaço, consolidando-se como uma alternativa eficiente para driblar restrições de injeção de na rede e otimizar o consumo de energia.
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