Com o aumento da participação de fontes renováveis variáveis, como solar e eólica, na matriz elétrica, a geração despachável, os sistemas de armazenamento de energia e programas de resposta da demanda são necessárias para manter a produção e o consumo em equilíbrio no sistema elétrico. Em diversos países a contratação de potência adicional tem sido necessária para garantir o fornecimento de energia nos horários de pico de consumo no país.
No Brasil, um primeiro leilão de reserva de capacidade, realizado em dezembro de 2021, resultou na contratação de mais de 5,1 GW exclusivamente de usinas termelétricas. O governo brasileiro prepara uma segunda concorrência para este ano, o leilão de reserva de capacidade na modalidade potência (LRCAP), que estava previsto inicialmente para agosto e atualmente, para o segundo semestre.
Em março, o governo abriu uma consulta pública sobre as diretrizes do leilão que previa a contratação de potência apenas de usinas térmicas ou hídricas. O texto inicial também previa que a entrega de potência começaria em 2027, com contratos de sete ou 15 anos de duração.
A consulta pública foi encerrada em abril com mais de 100 contribuições, entre as quais 38% sobre a participação de baterias no leilão, e dessas, 98% foram favoráveis a sua inserção no Leilão de Reserva de Capacidade. As pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), usinas eólicas e solares associadas a sistemas de armazenamento de energia em grandes baterias, entre outras, que não estavam previstas na minuta inicial, querem ser autorizadas a competir.
Especificamente sobre a participação de baterias, a nota técnica da EPE sobre o leilão, que subsidia a consulta pública, sinaliza que o requisito de potência a ser atendido teria uma duração menor ou igual a 4 horas por dia. Essa condição seria atendida pela tecnologia de armazenamento em baterias combinada com fontes renováveis, sem necessidade de uma nova regulação.
O leilão é necessário justamente pela mudança no perfil da matriz elétrica brasileira – com solar e eólica correspondendo juntas a mais de 30% da potência instalada, sendo 19% da primeira, incluindo a geração distribuída, e 13% da segunda.
A necessidade de entrada de energia para compensar a saída da fonte solar no final do dia pode chegar a 25 GW já em 2024, alcançando até 50 GW em 2028, considerando o período diurno de geração, segundo estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) publicado em fevereiro, o PAR/PEL 2023.
“É um desbalanceamento entre a oferta e demanda, que não é prolongado, mas que é agudo em determinados períodos, em horas mais críticas. A gente passou a ter critérios objetivos para dimensionar o sistema para esses requisitos e tivemos o primeiro leilão baseado nesses critérios lá em 2021”, disse o secretário de Planejamento e Transição Energética do MME, Thiago Barral, em audiência pública realizada na Câmara no início de julho.
Na mesma audiência pública na Câmara, o secretário de leilões da Aneel, Ivo Nazareno, disse que é necessário realizar um leilão ainda neste ano.
Já a assessora executiva da Diretoria de Planejamento do ONS, Sumara Duarte, defendeu o critério de flexibilidade da tecnologia a ser escolhida, ou seja, a sua capacidade de ser rapidamente acionada quando necessário. “Eu não posso ter uma usina contratada para ficar operando dois dias se eu só preciso dela quatro horas, três horas por dia”, afirmou. Duarte disse que o ONS não tem objeção à participação de empresas que operam sistemas de armazenamento em baterias no LRCAP, mas disse que ainda não há arcabouço regulatório para esse arranjo.
A portaria definitiva sobre o leilão ainda não foi publicada.
Custo das usinas térmicas
A Absae estima que a operação das usinas térmicas contratadas em 2021 já representa um custo fixo anual de R$ 3,56 bilhões. Quando acionadas, as térmicas recebem, além da remuneração fixa, o ressarcimento do seu custo variável unitário (CVU), em torno de R$600/MWh, no caso das termelétricas a gás natural. Dados da Rege Consultoria indicam que o custo por despacho mínimo de 8 horas de 1 GW de geração térmica pode variar de R$ 3,6 milhões (geração a gás, ciclo simples) a R$ 10 milhões (óleo diesel), além de ser responsável pela emissão de 3 mil a 6,5 mil toneladas de gás carbônico (CO2). O custo variável unitário do armazenamento (BESS) é próximo de zero e o sistema pode ser carregado apenas com fontes 100% renováveis.
“A arte de uma boa política pública é colocar à disposição alternativas complementares que consigam atender as três principais demandas: segurança, economicidade e menor custo ambiental”, comentou presidente do Conselho da Absae, Markus Vlasits.
Outros países demonstram competividade do BESS
“Países como Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Alemanha, Espanha, Polônia e até os nossos quase vizinhos aqui do Chile estão incorporando os sistemas de armazenamento de energia elétrica com baterias nas suas matrizes elétricas, inclusive para funções de reserva de capacidade, com segurança, confiabilidade, tranquilidade técnica na aplicação dessa tecnologia e com ganhos econômicos e redução de custos para a sociedade”, disse o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia.
Ele cita experiências internacionais como a dos Estados Unidos, onde entraram em operação comercial 7,9 GW/24 GWh de BESS em 2023; do Reino Unido, onde BESS tem sido agregado a rede como reserva de capacidade desde 2014, totalizando capacidade instalada de 4 GW/4,9 GWh até dezembro de 2023; da Itália, onde cerca de 2,6 GW/8,9 GWh devem entrar em operação comercial em 2024 e o operador de sistema de transmissão anunciou o interesse de agregar mais 9 GW/71 GWh até 2030; da Alemanha, que possuía 937 MW/1.322 MWh de BESS em operação comercial em dezembro de 2023; da Espanha, com capacidade contratada em dezembro de 2023 de 880 MW/1.809 MWh; e da Polônia, onde ocorreu a contratação de 6 projetos com capacidade instalada de 1,5 GW em dezembro de 2023.
Exemplos internacionais de desenho de mercado de capacidade
Extraído do artigo “Battery storage on a capacity market“.
Experiência internacional na Bélgica, Reino Unido, Polônia e Itália
Os mercados de capacidade foram introduzidos com sucesso em vários países europeus nos últimos anos. Depois que o Reino Unido assumiu a liderança em 2014, mercados de capacidade central foram implementados na Bélgica, Itália, Polônia e Irlanda. Na Espanha, um mercado de capacidade está atualmente em processo legislativo. Na UE, a Agência para a Cooperação de Reguladores de Energia (ACER) define a estrutura para o uso de mecanismos de capacidade, enquanto a decisão final sobre isso cabe aos estados-membros e à Comissão Europeia.
O design dos mercados de capacidade nos vários países europeus está, portanto, sujeito a uma estrutura semelhante: em um leilão anual central, uma quantidade fixa de capacidade é demandada por uma autoridade central, semelhante ao operador do sistema de transmissão no Reino Unido e na Polônia. Essa capacidade pode ser oferecida, por exemplo, por usinas de energia, instalações de armazenamento ou por meio de resposta à demanda. Os mercados de capacidade no Reino Unido e na Bélgica seguem esse princípio central. Em contraste, o modelo francês, no qual a capacidade em demanda é adquirida de forma descentralizada e no qual os fornecedores individuais de energia são obrigados a comprar certificados de capacidade de usinas de energia e outros produtores de eletricidade, ainda não conseguiu se estabelecer.
Os leilões anuais ocorrem quatro anos (T-4) ou um ano (T-1) antes do início do respectivo prazo do contrato. O prazo dos contratos de capacidade varia de um ano para usinas existentes a 15 a 17 anos para novas usinas. Isso visa fornecer a estas últimas a segurança de investimento necessária durante o período de financiamento do projeto. Durante o prazo do contrato, todas as usinas recebem uma remuneração fixa por megawatt por ano com base no resultado do leilão. Em troca, elas devem estar disponíveis durante esse período e estão sujeitas a certos requisitos físicos ou financeiros, dependendo da estrutura do respectivo mercado.
Os limites de emissão estipulam que usinas de energia a carvão e outras usinas com altas emissões de CO2 não podem participar dos mercados de capacidade. Isso também pode criar incentivos para que usinas de energia a gás natural mudem para hidrogênio.
Pontos-chave de um mercado de capacidade bem-sucedido
Para evitar riscos de má gestão, incentivos equivocados e custos desnecessários, um design de mercado de capacidade bem pensado e eficiente é essencial. Isso pode, por exemplo, evitar o risco dos chamados lucros inesperados indo para usinas de energia que não precisam de suporte ou de usinas de energia sendo mantidas artificialmente vivas que, de outra forma, seriam eliminadas do mercado.
A experiência dos mercados de capacidade já implementados na Europa mostra que o design do mercado de capacidade a ser criado deve levar em conta os seguintes aspectos para ser bem-sucedido: primeiro, o fator de redução, segundo, o manuseio da disponibilidade e refinanciamento da usina e, terceiro, a distribuição local das usinas participantes. Os termos do contrato e os horizontes do leilão, bem como as opções para mapear a degradação da usina e, finalmente, a escolha do formato do leilão entre “pagamento conforme o lance” ou “pagamento conforme a liberação” também são importantes.
Fator de redução
O fator de redução permite a participação de diferentes opções de geração e flexibilidade no mercado de capacidade. Ele indica qual porcentagem da produção nominal de uma tecnologia específica é remunerada pelo mercado de capacidade e, portanto, serve, por exemplo, para tornar comparável a contribuição de sistemas de armazenamento de bateria com diferentes durações de armazenamento para a segurança do sistema. Dependendo da capacidade e do modo operacional selecionado, um sistema de armazenamento pode fornecer uma determinada produção por diferentes períodos de tempo (por exemplo, 2 horas, 4 horas, 8 horas).
A determinação dos fatores de redução deve ser baseada na probabilidade de uma tecnologia específica estar disponível durante as horas de gargalo mais críticas de um ano ou trimestre. Em mercados de capacidade “maduros” ou bem estabelecidos, como o MISO (Midcontinent Independent System Operator) nos EUA, baterias de 4 horas demonstraram ser tão confiáveis quanto usinas de energia a gás ou carvão durante os 3% (262 de 8.760) das horas de gargalo mais críticas de um ano e têm um fator de redução de mais de 90%.
A razão para isso é que das 262 horas de gargalo mais críticas, dificilmente mais de 4 horas foram consecutivas, dando tempo para as baterias recarregarem. Além disso, as baterias são menos propensas a falhas do que as usinas termelétricas e têm uma vantagem de disponibilidade.
Desafios técnicos de altas participações de geração não síncrona
Em relatório sobre a integração de energias renováveis nos sistemas publicado em 2020, a Agência Internacional de Energia (IEA), descreveu os desafios operacionais que as altas participações de fontes renováveis variáveis (VRE) criam. O relatório destaca o impacto na estabilidade do sistema de energia na escala de tempo de subsegundos, que leva a uma necessidade maior de flexibilidade de entrega de energia de curto prazo em sistemas com participação maior de fontes variáveis. A inércia do sistema, uma propriedade derivada de geradores síncronos, atua para mitigar a taxa de mudança de frequência após um evento de contingência no sistema de energia.
As VRE não contribuem diretamente para fornecer inércia ao sistema de energia, pois são conectados à rede por meio de dispositivos conversores eletrônicos de energia, daí o termo “não síncrono”. À medida que VRE desloca a geração térmica ou hídrica, a inércia do sistema será reduzida, tornando o sistema menos estável.
O relatório lista estratégias para garantir inércia síncrona suficiente nos sistemas:
- O estabelecimento de um limite máximo de penetração do sistema não síncrono (SNSP), que indica a parcela máxima de geração não síncrona (ou seja, de VRE) que não representa um risco de segurança para o sistema de energia. Um limite SNSP é específico de cada sistema e deve ser estabelecido com base em análises e testes completos. Irlanda e Irlanda do Norte conseguiram aumentar o limite do SNSP de 50% em 2015 para 65% antes de 2020.
- A entrega de inércia sintética (ou chamada de resposta de frequência rápida baseada em inércia) por fontes VRE. As primeiras experiências passam por testes piloto, e requisitos técnicos claros e procedimentos de conformidade são necessários para incluí-los em códigos de rede.
- Fornecer inércia adicional por meio de outros ativos, como condensadores síncronos instalados pela operadora de transmissão. Isso também pode ajudar a mitigar outros problemas técnicos relacionados a maiores participações de VRE, como perda de força do sistema.
- Medição mais inteligente de inércia para permitir que os operadores do sistema reconheçam a capacidade em tempo real do sistema em lidar com possíveis contingências. O Japão e a Grã-Bretanha são pioneiros na introdução de sistemas de monitoramento de inércia em tempo real para superar os desafios associados à alta penetração de VRE.
- Armazenamento em baterias. Um estudo publicado pela Frontier Economics mostra que o armazenamento em bateria pode reduzir a necessidade de usinas a gás na Alemanha em 9 GW, economizando bilhões em custos de construção e operação para 18 usinas de energia adicionais e emissões de até 6,2 milhões de toneladas de CO2.
A pv magazine está cooperando com a Solar Promotion, organizadora da Intersolar South America, em uma série de matérias, como esta, abordando temas de interesse do mercado brasileiro, que também serão discutidos na feira. A Intersolar South America será realizada de 27 a 29 de agosto de 2024, em São Paulo, Brasil. Saiba mais e cadastre-se aqui.
Este conteúdo é protegido por direitos autorais e não pode ser reutilizado. Se você deseja cooperar conosco e gostaria de reutilizar parte de nosso conteúdo, por favor entre em contato com: editors@pv-magazine.com.
Ao enviar este formulário, você concorda com a pv magazine usar seus dados para o propósito de publicar seu comentário.
Seus dados pessoais serão apenas exibidos ou transmitidos para terceiros com o propósito de filtrar spam, ou se for necessário para manutenção técnica do website. Qualquer outra transferência a terceiros não acontecerá, a menos que seja justificado com base em regulamentações aplicáveis de proteção de dados ou se a pv magazine for legalmente obrigada a fazê-lo.
Você pode revogar esse consentimento a qualquer momento com efeito para o futuro, em cujo caso seus dados serão apagados imediatamente. Ainda, seus dados podem ser apagados se a pv magazine processou seu pedido ou se o propósito de guardar seus dados for cumprido.
Mais informações em privacidade de dados podem ser encontradas em nossa Política de Proteção de Dados.