Com um expressivo volume de projetos centralizados e restrições de conexão e de demanda, os empreendedores de geração centralizada de energia solar têm olhado para novos segmentos que podem destravar a demanda por eletricidade no país.
No total, o Brasil conta com um estoque de projetos de 2.909 usinas solares de geração centralizada, que somam 128 GW de potência, de acordo com os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica, dos quais apenas 15,5 GW têm contratos de uso do sistema de transmissão. Até 2028, o Operador Nacional do Sistema (ONS) prevê que a demanda no sistema totalize 89.257 MW médios, uma taxa de crescimento médio de 3,2% ao ano, de 78.814 MW em 2024.
Neste contexto, a demanda para produção de hidrogênio no Brasil até 2030 é vista como chave para criar nova demanda. De acordo com a Bloomberg New Energy Finance (BNEF), James Ellis, a América Latina deve produzir cerca de 6,8 GW de hidrogênio verde até 2030, sendo 3,8 GW no Brasil.
No evento de sanção do marco legal do hidrogênio verde, realizado no Porto de Pecém, no Ceará, no dia 2 de agosto, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o Brasil tem mais de R$ 200 bilhões em projetos de hidrogênio verde anunciados dentro do Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), do governo federal.
Já foram anunciados 57 GW em projetos de hidrogênio verde no país, considerando todos os níveis de maturidade. Essas iniciativas estão sendo estudadas em todo o Brasil, com destaque para os estados da Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco e Rio Grande do Norte, segundo mapeamento do MME.
Vantagem da rede renovável no Nordeste
Os novos projetos de hidrogênio verde não necessariamente serão abastecidos por novas usinas solares, já que, em muitos casos, a conexão à rede de transmissão/distribuição já corresponde ao percentual mínimo de energia renovável exigido para a produção do combustível. A eletricidade corresponde a aproximadamente 70% do custo de produção do hidrogênio verde a partir de eletrolisadores.
A consultoria Aurora Research avalia que o Nordeste apresenta o maior potencial para modelos de negócio de hidrogênio renovável conectado à rede, uma vez que a geração renovável na matriz elétrica da região deve se manter acima de 90% nas próximas décadas. Para projetos conectados à rede em outras regiões, os PPAs renováveis que comprovem a origem da energia consumida serão fundamentais para desbloquear o potencial de exportação do hidrogênio renovável, avalia a consultoria.
Em estudo publicado em julho, a consultoria estimou que, utilizando exclusivamente a energia renovável não entregue ao sistema por curtailment “comercial”- não relacionado às restrições físicas do sistema, mas ao excesso de oferta de energia – 12 milhões de toneladas (Mt) de hidrogênio renovável poderiam ser produzidas entre 2030 e 2060. Começando com 23 mil toneladas só em 2030, só do Nordeste, chegando a 860 mil anuais em 2060, em todas as regiões do país.
Ao contabilizar o condicionamento e recondicionamento de amônia, isso resultaria em aproximadamente 10,3 Mt de H2.
No Brasil, as emissões diretas de carbono durante o estágio de geração de um eletrolisador conectado à rede operando em carga de base permaneceriam abaixo do limite da Europa até 2060, variando entre 0,4 kg de CO2 por kg de hidrogênio produzido (kgCO2/kgH2) a 2,5 kgCO2/kgH2.
As exportações elegíveis para certificação renovável devem estar abaixo do limite de 3,4 kgCO2eq/kgH23, segundo a Diretiva de Energia Renovável (RED II) da UE. Ou seja, a produção brasileira teria uma margem de até 3 kg de CO2eq para outras emissões em toda a cadeia de valor, posicionando competitivamente o hidrogênio produzido no país.
A dependência da Europa em hidrogênio importado deve aumentar rapidamente, compreendendo mais de 50% da demanda total em 2050.
A LCOH estimada do Brasil para um ativo independente da rede com geração local (o modelo de negócios mais caro e mais rastreável) seria de R$ 28,7/kg H2, já considerando os custos de condicionamento, transporte e recondicionamento de amônia. Esse custo é 47% mais barato do que a produção equivalente na Europa.
Mas, ao menos de acordo com o novo marco legal, o “hidrogênio renovável” pode ser produzido com também a partir do etanol e até mesmo com a captura, armazenamento e utilização de carbono (CCUS, na sigla em inglês) de fontes fósseis, desde que respeite o limite máximo de 7 kg de emissão de CO2 equivalente por kg de combustível produzido.
O que diz o marco legal
A legislação brasileira considera como “hidrogênio renovável” aquele obtido por outros processos produtivos além da eletrólise, mas com o uso de fontes de energia solar, eólica, hidráulica, biomassa, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica, das marés ou oceânica.
Mas “hidrogênio verde” seria apenas aquele obtido a partir da eletrólise da água com o uso de fontes renováveis.
Apesar de ter aparecido na primeira versão, no texto final da lei não há limite máximo de exportação do hidrogênio para a empresa ganhar os incentivos fiscais.
Certificação
A lei também cria o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), cuja adesão será voluntária por parte dos produtores de combustível ou de seus derivados. O certificado atestará a intensidade de emissões de gases do efeito estufa na produção do hidrogênio. O sistema deverá contar com uma autoridade competente; uma autoridade reguladora; empresas certificadoras; instituição acreditadora; e gestora de registros.
Para que o hidrogênio seja certificado como de baixa emissão de carbono, deverá ser criado um um “padrão brasileiro”, que irá especificar quais tipos de emissões serão considerados; quais etapas do processo produtivo deverão ser abrangidas pela certificação; os critérios para suspensão ou cancelamento dos certificados; entre outras especificações que serão definidas pela regulação.
Incentivos tributários
A Lei também cria incentivos tributários, somando R$ 18 bilhões em crédito fiscal, tanto para empresas produtoras do combustível quanto para aquelas que prestam serviços como armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização; geração renovável ou de biocombustível para a produção do hidrogênio. O crédito será cedido de 2028 a 2032 e poderá ser usado pelas empresas por cinco anos.
As empresas habilitadas ao Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono terão suspensão de PIS, Cofins, PIS-Importação e Cofins-Importação na compra, importação e aluguel de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos e de materiais de construção destinados aos projetos de hidrogênio.
Como contrapartida, as empresas devem realizar um investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação. As empresas optantes pelo Simples Nacional não poderão aderir ao Rehidro, e aquelas que usufruírem dos incentivos deverão manter regularidade fiscal.
Projetos mais avançados
Com mais de 37 memorandos de entendimento assinados, o Complexo Portuário de Pecém, no Ceará, concentra os projetos de hidrogênio verde mais avançados no Brasil. Outros portos, como Suape, no Pernambuco, Açu, no Rio de Janeiro, e Porto RS, no Rio Grande do Sul, também anunciaram projetos em diferentes estágios.
Em julho, a empresa australiana Fortescue anunciou que iniciará até o fim de 2024 as obras de terraplanagem da sua planta no Pecém. A planta deve ser desenvolvida em etapas. As fases 1 e 2 terão 1.200 MW e a fase 3, mais 900 MW. O projeto tem potencial para produzir 837 toneladas de hidrogênio verde por dia a partir do consumo de 2.100 MW de energia renovável. O projeto deve ter um investimento da ordem de US$ 6 bilhões.
No mês anterior, a FRV, empresa de desenvolvimento do grupo Jameel Energy, detalhou os planos de investimento de R$ 27 bilhões no projeto H2 Cumbuco, focado na produção de amônia verde para exportação para os mercados europeu e asiático. Serão 2 GW de capacidade dos eletrolisadores e a produção utilizará água de reuso, ou seja, águas residuais urbanas tratadas pela empresa de saneamento local.
Também localizado no porto, o projeto da AES Brasil, adquirida pela Auren, tem potencial para produzir 800 mil toneladas de amônia verde por ano, a partir do consumo de 2,5 GW de energia renovável.
Conforme o cronograma, as seis empresas com pré-contratos assinados no Pecém, AES, Casa dos Ventos, Cactus Energia, Fortescue, FRV e Voltalia, devem tomar suas decisões finais até 2026, para iniciar a produção no final de 2027.
A Zona de Processamento de Exportações do Complexo Industrial do Pecém, que cede isenções e reduções de tributos estaduais e federais às empresas que se instalam no local. De acordo com o presidente da companhia administradora da ZPE, Eduardo Neves, a redução dos investimentos em ativos imobilizados dentro da zona de processamento, em comparação com outros territórios no país, pode chegar a 40%. O modelo vem sendo reproduzido por outros portos e pode atrair a geração local solar e eólica offshore para abastecer os projetos e destravar bilhões de novos investimentos no país.
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