A Câmara aprovou, na semana passada (27/02), regime de urgência para o Projeto de Lei 4.831, de 2023, que propõe regras para a renovação dos contratos de concessão das distribuidoras de energia. Entre outras propostas, o texto limita a inserção de geração distribuída por área de concessão e a participação de consumidores no mercado livre. O PL adiciona um novo artigo à lei 9.074, de 1995, que estabelece as regras para outorga e prorrogação das concessões de serviços públicos:
“O limite para a inserção de Geração Distribuída na área de atuação de uma concessionária de distribuição é de 10%, após o atingimento deste limite a concessionária não está mais obrigada a fornecer ponto de conexão para novos acessantes”, diz o texto proposto.
A proposta tramita em regime de urgência, mas não estava na pauta do plenário. Se for pautado na Ordem do dia, o PL pode ser votado e aprovado pelo Plenário da Câmara, seguindo para discussão no Senado. Entretanto, o governo federal estuda prorrogar essas concessões por decreto, o que é permitido.
O foco da proposta é a prorrogação das concessões de 20 distribuidoras privatizadas na década de 1990, cujos contratos de concessão, de 30 anos, terminam entre 2025 e 2031.
Essas distribuidoras atendem 55,6 milhões de unidades consumidoras no Brasil. Entre elas estão a Light (RJ), Coelba (BA) e Enel (SP).
Em pronunciamento no Plenário nesta quarta-feira (06/03) o deputado Lafaytte Andrada (Republicanos/MG) classificou o artigo como “inteiramente esdrúxulo, fora de contexto”.
Andrada, autor do projeto de lei 5.829/19, que resultou na Lei 14.300, usou seu tempo de pronunciamento no Plenário para se manifestar contra a proposta. “Isso causou estranheza, porque a geração distribuída é uma ferramenta para que o consumidor possa gerar sua própria energia, barateando a conta de luz para si mesmo e para os demais. O Brasil tem um potencial imenso para a geração distribuída, e no meio desse projeto colocam essa determinação de se limitar em 10% a geração distribuída, o que nos parece um contrassenso”, disse o deputado.
De acordo com o parlamentar, a Frente Parlamentar Mista da Energia Limpa (FREPEL) está mobilizada para conversar com o autor do projeto, João Carlos Bacelar (PL/BA). “Já conversamos também com vários Líderes, dizendo que este projeto não pode tramitar enquanto questões como essa não forem tratadas e resolvidas, porque para nós é um absurdo limitar a GD em 10% no Brasil. Em alguns estados, ela já ultrapassa em muito 10%. Essa limitação não faz nenhum sentido”, disse.
O texto do PL não explicita qual é o critério para estabelecer esse limite. Em unidades consumidoras, a participação da GD é de 3,8%, considerando 3,5 milhões de UC’s que recebem créditos de geração distribuída e 89,9 milhões de UCs atendidas pelas distribuidoras, de acordo com os dados da Aneel. Se consideradas apenas as UCs com sistemas de GD instalados, que somam 2,4 milhões, a participação é de 2,66%.
Um levantamento realizado pela pv magazine em outubro de 2023 revelou que esse limite 10%, entre UCs com compensação de crédito e UCs atendidas pelas distribuidoras, já foi ultrapassado por uma série de permissionárias e estava muito próximo na área de concessão da RGE, em 9,31%. Atualmente, essa taxa está em 9,76% na área de concessão da distribuidora sulista, a terceira com mais capacidade de GD acumulada, com 1,9 GW.
“Realmente o projeto não é esclarecedor [em relação ao critério para o limite de 10%] e acima de tudo levanta uma preocupação com uma postura de governamental que, na minha opinião, é contra a população e não favorece o consumidor final”, comenta o CEO da Descarbonize, que controla empresas como a Aldo e a Sol Agora, Nuno Verças. “Limitar a 10% [as novas conexões de GD] por ano já causaria um impacto. E é diferente você dizer que só 10% dos brasileiros podem ter acesso a energia solar, isso me parece extremamente limitador”, adiciona.
O executivo defende que sejam demonstrados os impactos e os motivos que justificariam o estabelecimento desse limite específico.
Na visão de Verças, essa limitação pode impactar também a adoção de novas tecnologias no mercado brasileiro, como o armazenamento de energia e o carregamento de veículos elétricos, frequentemente associados à geração solar distribuída. “Com solar restrita, isso perde muita força. Parece-me estranho colocar um carregador veicular em um posto de gasolina para incentivar a venda de carros elétricos para descarbonizar o transporte e ajudar na transição energética, mas não permitir que a solar cresça”, ele comenta.
O que diz o PL
O projeto de lei 4.831/23, permite a renovação dos contratos de concessão de distribuição por 15 anos para as companhias energéticas, desde que autorizada pelo Congresso Nacional.
A proposta é que a renovação seja não onerosa, ou seja, sem pagamento de bônus para o governo, desde que as empresas assumam dois compromissos: manter o desconto de até 65% na conta de luz das famílias de baixa renda e garantir os investimentos para a universalização do sistema de distribuição até 2030.
Os custos desses compromissos não poderão ser repassados para a conta de luz. “Ambos estão dentro do conceito de uma concessionária de serviço público, que deve atender a totalidade de seus usuários”, disse o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), autor do projeto, que ainda não foi distribuído às comissões temáticas da Câmara.
Em contrapartida, o projeto prevê benefícios econômicos e financeiros às empresas que renovarem a concessão. As distribuidoras teriam assegurado, por exemplo, o mínimo de 70% do mercado onde atuam. Além disso, os contratos de consumidores livres não poderiam ser renovados quando este patamar for atingido.
O projeto também estabelece outras medidas, como atribuir a responsabilidade pelos custos com perdas não técnicas (furto ou roubo de energia) às concessionárias, exceto se comprovada a ausência do Estado na área de atuação, como em regiões violentas, caso em que teriam direito a compensações fiscais.
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