Fabricação de baterias de lítio no Brasil pode ser incentivada com nova política

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Com novos programas de incentivo à industrialização verde, o Brasil pode estar se aproximando da fabricação local de baterias de lítio, fechando uma lacuna entre a extração do minério e a fabricação de veículos elétricos, atividades que já acontecem no país. Desde 2023, a Sigma Lithium iniciou a exportação de lítio verde do Brasil para fabricantes de baterias na China, enquanto empresas como BYD, Wolkswagen e Marcopolo montam no país veículos elétricos pesados que receberão as baterias importadas.

De acordo com a Agência Internacional de Energia, um carro elétrico típico requer seis vezes mais recursos minerais do que um carro convencional e uma usina eólica offshore requer 13 vezes mais recursos minerais do que uma usina movida a gás de tamanho semelhante. Desde 2010, a quantidade média de recursos minerais necessários para uma nova unidade de capacidade de produção de energia aumentou 50%, à medida que a participação das fontes renováveis nas novas instalações ​​aumentou.

Os recursos minerais demandados variam de acordo com a tecnologia. Lítio, níquel, cobalto, manganês e grafite são cruciais para as baterias. Elementos de terras raras são essenciais para ímãs permanentes usados ​​em turbinas eólicas e motores de veículos elétricos.

Para incentivar a exploração e produção desses minérios, de olho na expansão da demanda, o Ministério de Minas e Energia anunciou nesta semana um novo programa para a incentivar a produção de minerais estratégicos e críticos para as tecnologias da transição energética. “Lançaremos o Programa Mineração para Energia Limpa, que terá como objetivo desenvolver a indústria de transformação mineral e fortalecermos o conhecimento geológico e a pesquisa mineral. Esse programa terá diretrizes claras: medidas ambientalmente responsáveis e socialmente conscientes serão cruciais”, diz o ministro Alexandres Silveira, durante o seminário Mineração e transformação mineral de minerais estratégicos para a transição energética, organizado pelo MME.

Um dos principais objetivos dessas novas políticas de industrialização verde deve ser o adensamento da cadeia produtiva – ou seja, trazer mais elos da indústria para o país -, defendeu o secretario de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC, Uallace Moreira.

“O Brasil já tem tecnologia de ônibus e caminhões feitos aqui, com toda a cadeia no Brasil, com exceção do gap da célula de baterias. Cobrindo esse gap, vamos nos tornar mais competitivos e líderes na economia verde”, diz Daniel Godinho, diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da WEG, que produz no país os packs de baterias, com as células de baterias importadas.

A fabricação de células de baterias de lítio no Brasil é um tema previsto no programa Nova Indústria Brasil, anunciado em janeiro pelo governo federal, lembrou o secretário do MDIC. De acordo com Moreira, os ministérios estão em uma fase de revisão da NIB, que deve ser entregue até o dia 22/04, aprimorando as metas, as contrapartidas, as ações.

Incentivos fiscais e finaciamento

Acesso ao financiamento competitivo e incentivos fiscais estão entre os instrumentos que poderão atrair os investimentos.

Na eletromobilidade, “o Programa Mover, de R$ 19,3 bilhões [de incentivos fiscais] já gerou investimentos de R$ 40 bilhões e abre uma janela de oportunidade para se articular com esses atores da cadeia produtiva [da eletromobilidade], para explorar riquezas naturais como nossas reservas de lítio”, lembra Moreira.

O secretário do MDIC menciona também a preparação do Plano Mais Produção, em parceria com BNDES, Finep e demais ministérios, para dar ao setor industrial previsibilidade de investimento.

Nos próximos dois meses, o BNDES deve lançar um fundo que será co-participado com atores privados para garantir capital para minerais estratégicos. O fundo está em fase de disputa de mercado e definição final de tese de investimento, segundo o diretor jurídico do banco, Walter Baère.

WEG defende incentivo à demanda de veículos pesados

“Não existe negócio, investimento e inovação sem demanda. A primeira política pública é incentivar a demanda na ponta, por exemplo com a linha de financiamento para os ônibus elétricos. Só São Paulo tem uma frota de 15 mil ônibus. Não é uma escala que vai garantir a continuidade de longo prazo dessa cadeia, mas já seria o suficiente para fazer que esse primeiro movimento aconteça”, comenta o diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da WEG, Daniel Godinho. “Vamos precisar de P&D, incentivo à produção e financiamento para montar as nossas fábricas, na etapa de refino e produção de materiais aditivados e na produção de células de baterias”, acrescenta.

De acordo com o executivo, nesse momento um dos principais focos da WEG é atender o mercado de ônibus e caminhões elétricos. Atualmente, a WEG importa a célula de bateria e agrega no Brasil o sistema de gerenciamento, o sistema de resfriamento e as ligações eletrônicas, que formam o pack de baterias para a solução automotiva.

O executivo, contudo, reforça o papel importante das baterias também para a expansão da geração  renovável. “Eólica e solar já são 30% da capacidade de geração no Brasil, mas a potencial teórico é que essas fontes podem chegar a 70%, e as baterias serão chave para isso”, diz Godinho.

Senai reúne 27 empresas em projeto de produção pré-industrial

Para iniciar a produção de células de baterias no Brasil, o Senai está desenvolvendo uma planta pré-industrial, em parceria com 27 empresas, para produzir baterias lítio ferro fosfato (LFP) e níquel manganês cobalto (NMC), que são as principais químicas usadas no setor automotivo.

“Montamos um projeto que submetemos na última semana no Rota 2030 [programa de incentivo à transição energética na mobilidade que está sendo substituído pelo programa Mover], com 27 empresas, do setor de petróleo, automotivo, empresa gigantes, médias e starturps, que será executado em três anos, caso seja aprovado, com valor de investimento inicial de R$ 68,5 milhões”, conta Marcos Berton, diretor de pesquisa do Instituto Senai de Inovação em Eletroqúimica, sediado em Curitiba, Paraná.

O objetivo é desenvolver a infraestrutura para produção de células de íons de lítio pré-industrial, nas geometrias  cilíndrica e prismática. O resultado da submissão sai no dia 04/04, a partir de quando o Senai poderá assinar a cooperação técnica entre as empresas.

“Paralelamente temos que desenvolver a cadeia de valor. Fabricamos o sulfato de lítio? Em grau técnico ou grau de bateria? Se for só grau técnico, precisaremos desenvolver um processo de refinamento. Vamos trabalhar nisso paralelamente, não basta só ter a capacidade de fabricação, temos que ter essa cadeia desenvolvida”, comenta Berton.

Mercado de US$ 320 bilhões

​À medida que os países aceleram os esforços para reduzir as emissões, também precisam de garantir que os sistemas energéticos permanecem resilientes e seguros. A crescente importância dos minerais críticos num sistema energético descarbonizado exige que os tomadores de decisão de políticas energéticas expandam os seus horizontes e considerem potenciais novas vulnerabilidades. As preocupações com a volatilidade dos preços, a segurança do abastecimento e as areias movediças da geopolítica não desaparecem num sistema energético eletrificado e rico em energias renováveis.

As vendas de carros elétricos aumentaram 60% em 2022, ultrapassando 10 milhões de unidades. Os sistemas de armazenamento de energia registraram um crescimento ainda mais rápido, com as adições de capacidade duplicando em 2022. As instalações solares fotovoltaicas continuam quebrando recordes e a energia eólica deverá retomar a sua marcha ascendente após dois anos moderados em 2021 e 2022. Isto levou a um aumento significativo na demanda por minerais críticos nos últimos anos.

De 2017 a 2022, a procura do setor energético foi o principal fator responsável pela triplicação da procura global de lítio, um salto de 70% na procura de cobalto e um aumento de 40% na procura de níquel. Em 2022, a energia limpa teve uma participação de 56% na procura total de lítio, 40% do cobalto e 16% do níquel.

Impulsionada pelo aumento da procura e pelos preços elevados, a dimensão do mercado dos principais minerais de transição energética duplicou nos últimos cinco anos, atingindo US$ 320 bilhões em 2022, valor globalmente semelhante à dimensão do mercado da mineração de minério de ferro. Os investimentos em produção de lítio no mundo aumentou de  US$ 2,7 bilhões em 2021 para US$ 4,1 bilhões em 2023.

Políticas de incentivo à produção em outros países

Há um movimento crescente de intervenções políticas para garantir fornecimentos minerais estratégicos, incluindo a Lei das Matérias-Primas Críticas (CRM) da União Europeia, a Lei de Redução da Inflação dos EUA, a Estratégia para Minerais Críticos da Austrália e a Estratégia para Minerais Críticos do Canadá, entre outros.

O Rastreador de Políticas de Minerais Críticos da IEA identificou cerca de 200 políticas e regulamentos em todo o mundo, com mais de 100 deles promulgados nos últimos anos. Muitas destas intervenções têm implicações para o comércio e o investimento, e algumas incluíram restrições à importação ou exportação.

Entre os países ricos em recursos, a Indonésia, a Namíbia e o Zimbabué introduziram medidas para proibir a exportação de minérios não beneficiados. As restrições globais à exportação de matérias-primas críticas aumentaram cinco vezes desde 2009.​

Soberania nacional

Uma política industrial para determinadas cadeias produtivas, como a de minerais estratégicos para a transição energética, pode também uma questão de soberania nacional, reforça o secretário Uallace Moreira.

“É assim que os EUA tratam [a produção de minerais estratégicos] com o IRA, assim que a Europa trata no Net Zero, a China no 14º Plano Quinquenal: como uma questão de soberania. E muito desses países não têm o privilégio de ter riqueza de minerais como o Brasil tem. Nosso grande desafio é explorar essas riquezas naturais e temos players com alta poder de competitividade atuando no Brasil, agentes interessados em adensar essa cadeia produtiva”, diz Moreira.

O secretário pontua que, segundo o FMI, 72% das medidas de política industrial – instrumentos como barreiras tarifárias e não tarifárias, crédito subsidiado, incentivo fiscais e crédito – se concentram em países desenvolvidos, com 48% dessas políticas em execução nos EUA, China e Europa. “Por que o Brasil não pode fazer uso desses instrumentos?”, questiona.

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