A exemplo de mercados mais maduros em energia solar, como o europeu, os módulos bifaciais devem se tornar cada vez mais relevantes nos projetos fotovoltaicos nos próximos anos, também no Brasil. Além do aumento da captação da radiação solar, os módulos bifaciais apresentam outras vantagens como menor degradação, maior tempo de garantia, maior resistência contra impactos e oferecem uma experiência ainda mais interessante ao unir tecnologia e estética.
A Universidade Federal de Santa Catarina (USFC) inaugurou em agosto deste ano um prédio modelo para produção de hidrogênio verde utilizando a tecnologia fotovoltaica em suas coberturas e fachadas. O projeto é do Grupo Fotovoltaica UFSC e levou pouco mais de um ano para ser concluído.
A edificação foi projetada pelas arquitetas do laboratório Clarissa Zomer e Isadora Custódio, doutora e doutoranda, respectivamente. Com quatro andares, foi projetado para aproveitar a luz do sol ao máximo com um sistema fotovoltaico, composto por 367 módulos bifaciais que gera 16 mil kWh por mês, energia elétrica suficiente para abastecer 65 casas com até quatro moradores – levando em conta que, no Brasil, o consumo mensal médio de uma família desse tamanho é 250 kWh.
A novidade da nova edificação do Laboratório Fotovoltaica/UFSC é que os módulos fotovoltaicos bifaciais foram usados para cumprir a função de vedação das coberturas e para sombreamento das fachadas, além da geração energética.
Em entrevista à pv magazine, Zomer conta que fez toda a sua formação fotovoltaica na UFSC, sob orientação do Prof. Ricardo Rüther, coordenador do Laboratório Fotovoltaica UFSC. “Eu comecei lá na iniciação científica, em 2003, depois fiz mestrado, doutorado e pós-doutorado. Eu fiquei 17 anos trabalhando como pesquisadora do laboratório e estive bem envolvida em todos os prédios de arquitetura solar que projetamos. Os dois primeiros prédios foram projetados em 2010 e inaugurados em 2015. Em suas duas coberturas, usamos módulos monofaciais de silício policristalino e silício microamorfo, respectivamente, sobrepostos às coberturas metálicas. Naquela época, os módulos bifaciais nem existiam” explica.
“Já no prédio novo, optamos pelo bifacial como vedação, justamente pela estética e pelo fato de podermos olhar por baixo do módulo. O objetivo foi fazer duas grandes coberturas fotovoltaicas com módulos bifaciais e extrair mais essa dupla função: revestir e vedar e não apenas se sobrepor a uma edificação”, explica.
Nesta cobertura, foi utilizada uma estrutura metálica com vedação entre módulos, projetada especificamente para garantir a estanqueidade – um neologismo que significa estanque, hermético ou sem vazamento. Assim, além de fazer a proteção, essa estrutura faz a coleta de água. A solução da estrutura foi desenvolvida especificamente para esse projeto pela empresa ESAF Solar.
Outras aplicações para os módulos bifaciais
Outras aplicações para os módulos bifaciais incluem a possibilidade de uso na cobertura de um pergolado ou de uma garagem, onde não haja outro elemento por baixo, por exemplo. “Assim, estaremos de alguma forma aproveitando a irradiação que vai bater no chão e vai refletir. Inclusive, é possível aproveitar a estética dele, já que o bifacial por trás é muito mais interessante do que um backsheet liso”, comenta Zomer.
A arquiteta explica que o módulo bifacial instalado em um telhado tem a vantagem da dissipação do calor. Caso ele não esteja em cima de uma telha, mas funcione como a própria telha, há também uma vantagem estética. “Tanto para um pergolado quanto para uma garagem, é muito mais bonito trabalhar com o módulo bifacial do que um monofacial, porque é possível caminhar por baixo da estrutura e visualizar as células, gerando um resultado ainda mais interessante ao usuário por conta da integração da arquitetura e com a tecnologia. Outra vantagem estética é que, dependendo de como é a conexão entre as células do bifacial, existe uma passagem de luz que dá um efeito muito bonito de luz e sombra”.
Zomer também é CEO da empresa Arquitetando Energia Solar e realizou um projeto de carport solar em Ilhabela, litoral norte de São Paulo, com módulos bifaciais utilizando um grampo de fixação que permitiu instalar os módulos bem próximos. “A preocupação inicial não era garantir a vedação completa, já que se tratava de uma cobertura para veículos, mas, supreendentemente, conseguimos praticamente 100% de estanqueidade”.
Benefícios dos módulos bifaciais
Sobre os módulos bifaciais, Zomer explica que “o módulo bifacial tem uma composição que facilita a dissipação do calor porque sua parte traseira é de vidro. Portanto, ele não tem uma película escura atrás. Mesmo se o módulo bifacial estiver em cima de um telhado, apesar de ele não ter a geração pela parte posterior, a eficiência dele ainda é justificável pela dissipação mais fácil do calor em comparação aos módulos monofaciais”.
A engenheira técnica da JA Solar, Marina Dias, explica que “os benefícios dos módulos bifaciais vão além da geração em si, já que algumas características físicas trazem ainda outras grandes vantagens como menor degradação, 30 anos de garantia para os bifaciais contra 25 anos para os monofaciais, e maior resistência contra impactos”.
Todos os módulos que a JA Solar oferece atualmente no mercado brasileiro têm uma versão monofacial e bifacial. De acordo com a engenheira, a tendência é de aceleração nas vendas dos módulos bifaciais nos próximos 10 anos. “Isso porque, quando falamos de bifaciais, não existe somente o lucro pela geração traseira. Há também o fator peso: como os módulos bifaciais são vidro-vidro, existe uma diferença de aproximadamente três quilos a mais, e o vidro garante a impermeabilização do módulo. Ou seja, a célula fica mais protegida contra a entrada de umidade. Essa segurança possibilita uma degradação menor, e assim, a garantia destes equipamentos é maior”, explica.
Experimento da UFSC dos bifaciais em diferentes tipos de solo
A engenheira da JA Solar explica que “o solo mais propício para a geração bifacial é a neve, porque ela é branca. Então, quanto mais o solo se aproximar da cor branca, mais luz será refletida e maior será a absorção do módulo”.
Já Zomer conta sobre um experimento em andamento na UFSC, que está quase completando um ano. “A usina possui várias fileiras de módulos bifaciais, cada uma instalada em acima de um tipo de solo, da areia mais branca até a brita cinza. Esse estudo vem mostrando que, apesar dos módulos sob as areias mais brancas apresentarem mais geração do que a brita escura, talvez um investimento tão mais alto na areia branca não compense a geração percentual tão pequena. Talvez a brita ou uma areia clara – sem ser extremamente branca – valha a pena. O estudo está em andamento e seus resultados poderão orientar melhor os proprietários de usinas solares”, explica.
As vantagens dos módulos bifaciais, segundo a JA Solar
A estrutura dos módulos bifaciais, em relação aos monofaciais, tem como diferença principal uma estrutura vidro-vidro. Ou seja, eles possuem vidro na camada frontal e traseira, diferentemente dos módulos monofaciais que só geram energia na face frontal.
No caso dos monofaciais, a parte traseira é o backsheet, uma camada muito similar a um polímero, com a função de proteger a célula. Essa face não consegue absorver radiação da luz solar.
Existem alguns fatores que vão influenciar na geração de energia na face frontal. Primeiramente, temos o fator de bifacialidade do próprio módulo (o quanto de radiação ele consegue absorver pela parte traseira, em relação à face frontal). Para os módulos monofaciais do tipo P, ou P-Type, esse fator de bifacialidade é de 70%, e o N-Type é de 80%.
Dias conta que além desse fator de bifacialidade, existem outras variáveis na instalação que vão auxiliar na geração de energia pela face traseira. “A altura do módulo em relação ao solo, qual é o tipo do solo (o quanto ele consegue refletir a luz solar), a inclinação do módulo e o espaçamento entre fileiras. Dependendo de quanto é a média destas variáveis, multiplicamos pelo fator de bifacialidade: 70% ou 80%, dependendo do tipo do módulo. Assim, teremos o quanto esse módulo consegue absorver pela face traseira”.
A engenheira técnica da JA Solar também comenta que “em resumo, cada instalação tem um fator bifacial diferente, porque além da estrutura do módulo, também dependerá de alguns fatores como a instalação ou o dimensionamento da usina. É individual, depende da configuração de cada projeto. Por exemplo, em relação ao índice de degradação anual, os módulos monofaciais possuem 0,55%, enquanto os módulos bifaciais se degradam apenas 0,45% ao ano, justamente por conta dessa proteção maior que o vidro proporciona. Por isso, a garantia de performance dos módulos bifaciais é de 30 anos, e a dos monofaciais é de 25 anos”.
Além disso, o vidro tem um fator de condução de calor quase 10 vezes maior do que o backsheet. Assim, o módulo trabalha em uma temperatura mais fria, o que protege a eficiência dos seus componentes eletrônicos.
Outro ponto é em relação à resistência mecânica. O vidro, apesar de um consenso errôneo de que seja mais suscetível às quebras, possui na verdade uma resistência muito maior do que o backsheet. Por ser mais resistente, faz uma defesa melhor das células. A estrutura simétrica dos módulos bifaciais também garante uma menor probabilidade de sofrer micro quebras.
Para instalações de módulos bifaciais no telhado, a engenheira explica que “a distância mínima recomendada pela JA Solar é de 10 cm. Porém, nos módulos bifaciais, começamos a considerar uma geração pela face traseira apenas com uma distância mínima de um metro entre o centro do módulo e o chão. Com a distância menor do que um metro, existe muito sombreamento, tanto das próprias fileiras de módulos quanto das edificações ao redor. Então, como nos telhados essa distância claramente não será seguida, pedimos para desconsiderarem o ganho pela face traseira. Mas, vale ressaltar que recomendamos que o cliente utilize módulos bifaciais no telhado por conta das demais vantagens já mencionadas, como melhor segurança, impermeabilização, melhor temperatura de operação e resistência, maior garantia e menos degradação”, finaliza Dias.
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